segunda-feira, dezembro 14, 2015

Prof. Dulce Pereira presta homenagem a Henrique Saraiva, recentemente falecido*

O meu "avô" arrais, vereador, poeta e escritor
Conheci o Sr. Henrique Saraiva há um bom par de anos. Quinze para ser mais precisa! Nessa altura tinha iniciado a minha estreia política. Claro que já o tinha visto antes. Não passavam despercebidas as suas barbas branquinhas que lhe emolduravam o rosto sulcado de rugas, a sua figura esguia e aqueles olhos escuros que nos iluminavam como dois faróis. Nem toda a gente teve oportunidade de o conhecer, de sentir a sua essência. Eu fui uma das privilegiadas! Um dia cruzei-me com ele em Caldas de Aregos. Cumprimentei-o. Olhou-me a sorrir enquanto apontava o espelho d'água que se estendia aos nossos pés e me informava que nem sempre tinha sido assim este rio Douro. Percebeu que tinha uma ouvinte atenta e ali ficámos. Ele a falar-me do Douro, da sua história, das suas gentes...e dos arrais! Ele que também o fora, um arrais do rio Douro. Fiquei fascinada a ouvi-lo. Ali estava um verdadeiro contador de histórias! Nos que se seguiram houve arrais e outras histórias. Histórias de uma...de muitas vidas. Visitava-me no meu gabinete, na Câmara Municipal, (onde também tinha sido vereador, há muitos anos atrás) ou no Museu Municipal. Levava-me poemas e pensamentos escritos num computador, onde escrevia aos 90 anos. Ripava-os do bolso do casaco, escritos em folhas de papel A4. Eu segurava-os, sorria e pedia-lhe para os ler em voz alta. Ele escutava-me e no fim perguntava-me sempre se tinha gostado. Um dia, para lhe provar que gostava mesmo, desafiei-o a publicar o que escrevia. Vi os seus olhos brilharem ainda com mais fulgor. E como era um homem determinado, não deixou o repto cair em "saco roto". Lançou o seu primeiro livro "Flores de Outono" no Museu Municipal, numa cerimónia emotiva. Foi nesse dia que me adotou! Nunca mais nos deixámos de tratar por avô e neta. A nossa amizade foi crescendo, solidificando. E sempre que encontrávamos, saboreávamos as conversas como quem saboreia um punhado de cerejas!
Um dia perguntei-lhe o que achava de contar a outros as histórias que sabia. Em público?Perguntou. Sim! às crianças e aos idosos! Foi vê-lo rejuvenescer. Os dias marcados para as sessões eram vividos com ansiedade, enquanto o carro não chegava  para o levar à Biblioteca Municipal, ao Centro Escolar de São Martinho, aos Centros Comunitários de São Romão e Felgueiras ou ao Museu Municipal. Falava aos velhinhos e às crianças como se não tivesse idade e com imensa paixão. Partilhava as histórias, os poemas, as palavras como só um verdadeiro contador de histórias é capaz! Há gente que fica na história, na história da gente" e o meu "avô" arrais, vereador, poeta, escritor, Henrique Saraiva, é um deles! Mesmo depois de atravessar a última fronteira, no décimo dia, no nono mês, do ano corrente, mesmo depois do último adeus, continua a fazer parte da vida dos que ficaram. Foi um privilégio conviver com ele. Continua ase uma honra conservá-lo na minha memória. 
Dulce Pereira, novembro de 2015
*Texto transcrito do Jornal de Resende, edição de Novembro de 2015
Nota 1: Esta personalidade fascinante nasceu em Miomães em  10 de Março de 1922 e faleceu a 10 de Setembro de 2015. O 2.º livro, que publicou (" Flor Silvestre"), pretendeu homenagear a sua mulher, mãe dos seus 7 filhos. 
Nota 2: Também tive o privilégio de o conhecer para "traçar" o seu percurso para o Jornal de Resende. O resultado desta conversa  pode ser lido ou relido aqui ou aqui