terça-feira, setembro 04, 2012

Lendas de Resende (A Ponte dos Piares e o lagarto)*

"Na Biblioteca Pública Municipal do Porto há um manuscrito de Ruy Fernandes sobre a região de Resende que, entre outras coisas do foro lendário, nos conta que a Rainha D. Mafalda tinha um filho sobre o qual pendia como que uma maldição, pelo menos um vaticínio. Pois que perderia a vida na água. Como andasse pelas bandas de Lamego e Resende, D. Mafalda apressou-se a ressalvar estas paragens mandando fazer a chamada Ponte dos Piares, logo à entrada de Barrô. Julgava com isso satisfazer a população do lugar e salvar o filho. Porém, acontece que o príncipe morreu afogado...na pegada de um boi cheia de água, sem se poder mexer e à revelia de qualquer socorro. Desencantada, a rainha desleixou, não se concluindo a obra. 
Também conta Frei Teodoro de Matos, no seu Nobiliário de Veludo (1733) que onde está Cárquere existiu uma antiga cidade, que até nem deveria ser nada pequena, pois ia desde a Ponte de Carcavelos ao longo do regato do mesmo nome, até abranger as quintas do Cabouco e Devesa, com a Picota e a mata dos Padres Jesuítas, no cimo do lugar dos Paços, incluindo ainda a Quinta do Pereira e o sítio do Carril. Acrescenta o frade que se lembra de ter visto nuns penedos deste mesmo lugar com grandes e artificiais buracos de trancas, que diziam ser das trancas de uma das portas da cidade e outros do mesmo género na Ponte de Carcavelos, dizendo-se que eram de outra porta. Nunca frei Teodoro encontrou papel que atestasse essa tal cidade, mas a lenda...
Agora o que está documentado e assume o papel de lenda é o sardão de Cárquere. A pele está no átrio das escadas que dão para o coro da igreja. Pois a lenda diz que, dando a mão ao filho pequeno, vinha uma mulher de Roças com um cesto de novelos de lã à cabeça, dirigindo-se ao Mosteiro de Nossa Senhora de Cárquere. De repente, apareceu-lhe um sardão enorme, abrindo a bocarra, disposto a engoli-la.
Aflita, a mulher invocou Nossa Senhora que lhe explicou rapidamente o que teria de fazer. Pois que, sem parar de andar, atirasse com os novelos ao sardão, que os iria engolindo, mas que ficasse com as pontas dos fios na mão. Mas andando sempre. Ela assim fez e quando o lagarto engoliu os novelos todos, a mulher deu um esticão nos fios, em todos ao mesmo tempo, e o sardão morreu engasgado! Depois, esfolado o bicho lá foi para onde está.
Mas as lendas dos mouros também se contam em Resende. Olhem a igreja de Cárquere, dizem que foi feita pelos mouros numa só noite. E o curioso é que isso também serve para a igreja de Barrô e para a de S. Martinho. Também dizem que num monte que está um pouco acima desta segunda aldeia há duas pedras em forma de arca. Cuidado deve ter quem lhes quiser erguer a tampa. Aberta uma, com o fogo que tem dentro arderá o mundo inteiro, mas se for a outra, todo o mundo se tornará rico! O pior é distingui-las. Bem, já agora se saiba que no Côto de Moumiz, debaixo da terra, está uma moura, que é sardão na segunda metade do corpo. Se alguém sonhar três vezes com ela e der três cavadelas na terra, a moura aparece-lhe e entrega-lhe um tesouro..."
*Retirado do livro Lendas de Portugal, recolha de Viale Moutinho, Diário de Notícias, 2003 
(São 301 lendas correspondentes a 301 concelhos)