quarta-feira, outubro 13, 2010

Colóquio “Religião e (in)felicidade”: palavras bem ditas*







Anselmo Borges abriu o Colóquio começando por referir que é a felicidade que move as pessoas. Nas religiões procuram a felicidade. Apresentou uma breve descrição da forma como esta foi sendo encarada e conceptualizada ao longo dos tempos. Depois falou sobre as ambiguidades das religiões. Realçou os seus contributos no plano material e espiritual, destacando o papel da religião cristã na forma como encaramos a pessoa e a dignidade que lhe está inerente. Frisou que na dura luta do dia a dia e nas condições infra-humanas de vida, a religião foi o único reduto de elevação. “A cruz de Cristo constituiu uma fonte de alívio para milhões de homens, dando sentido ao sofrimento e à morte”, referiu. Destacou as obras de caridade e o trabalho pelos mais pobres. E sublinhou o seu papel no desenvolvimento da educação e da cultura de que todos somos herdeiros. A religião foi e é fonte e fautora de felicidade. Mas não fugiu a apresentar o reverso da medalha: a associação das religiões à guerra, ao terrorismo, à inquisição, ao poder, à bruxaria, à mesquinhez... Referindo-se à missionação disse que era uma história de generosidade, mas também de poder, de dominação e de extermínio cultural. Falou também do celibato e depois da sexualidade, associada pela Igreja ao pecado. “Estou convencido que a confissão auricular, em muitas situações, pôs em causa os direitos humanos”, disse. Lamentou o afastamento do modo de vida dos primeiros cristãos, levando-o a pensar que alguns detentores do poder no seio da Igreja, ao longo dos tempos, terão concluído que no limite poderiam administrar Deus. Tudo isto tornou a religião um “espaço” de infelicidade e de descrença.
Teresa Toldy caracterizou o modo de vida da sociedade actual como um percurso incessante à volta do consumo, lazer, divertimento e prazer. “Ter fé já não é obrigatório”, disse. Crer é uma opção. Há a possibilidade de crer. As pessoas podem lá chegar através das interrogações: O que é e qual a via para uma vida plena? O que fazer para que a vida valha a pena? Qual o papel do transcendente no imanente?
Nicolás Lori disse que a alegria já “lá” está (no cérebro). Nós procuramos naturalmente o prazer. “O que é preciso é remover os obstáculos”. Chamou a atenção para a importância das relações sociais. O que mais influencia o sucesso futuro é o treino pessoal para a interacção social. As aprendizagens até aos 5 anos irão ser decisivas.
João Lobo Antunes apresentou à assembleia um texto de rara beleza, focando estudos em que a prática da religião joga um papel importante como factor instrumental na facilitação da cura ou da melhoria na doença. Chamou a atenção para a importância da gestão da esperança nos doentes e familiares. “Certa vez, a mulher de um doente pediu-me: faça tudo o que puder, mas mesmo tudo; sabe, o meu nome é Esperança”.
Andrés Torres Queiruga partiu da premissa que existe o mal, porque o mundo é finito. Num mundo limitado há imperfeições e carências. Exemplificou com o facto de uma pessoa não poder estar em dois sítios simultaneamente ou da impossibilidade de um quadrado poder ser ao mesmo tempo um círculo. O mal, segundo ele, é intrínseco ao mundo limitado e finito. Deus não é o autor do mal. Nem o diabo. Deus é amor, que criou o mundo distinto de Si para que fosse dotado de autonomia. A fé em Deus é uma opção e uma possibilidade. “Todas as religiões são de salvação”, referiu.
Paulo Borges (que substituiu Carlos João Correia) falou da via do Buda e caracterizou o budismo essencialmente como um caminho e um método terapêutico para fazer face ao sofrimento. Destacou a importância de S. Francisco de Assis na sua opção pelo budismo que procura o respeito e a harmonia entre todos os seres viventes. Salientou a importância do corpo como um todo, não fazendo sentido a separação espírito/corpo.
Manuel Reys-Mate começou por afirmar que uma parte da humanidade foi sacrificada para que a outra desfrutasse do progresso. A chamada solução final foi um projecto de eliminação física e de esquecimento. “Pareceu impossível de acontecer, mas, como aconteceu, dá que pensar”. A história está construída sobre a amnésia. A justiça faz-se na base da memória das vítimas.
José Tolentino de Mendonça descreveu as três vezes em que o Novo Testamento faz o elogio do inútil (em duas parábolas do Evangelho e na carta de S. Paulo a Filémon). Jesus é mestre do inútil. "Olhai para os lírios do campo, como eles crescem: não trabalham, nem fiam. Eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles" (Mateus 6:28-29). Renuncia-se ao útil para viver o essencial. “O Deus revelado é um Deus da cruz, um Deus débil, um Deus inútil. E Deus é inútil”. Terminou com uma provocação: “O que é o elogio do inútil? É gastar o nosso tempo útil a falar do inútil; foi o que acabei de fazer”.
José Maria Castillo começou por informar a assistência que aos 78 anos abandonou os jesuítas para poder falar à vontade, poupando assim a Companhia de Jesus de “incómodos”. Do estudo da Bíblia constata-se que sobressaem três conceitos de Deus, referiu. O do Antigo Testamento é nacionalista, violento e guerreiro. O Deus de Jesus é um Deus feito homem, um Deus humanizado. O Deus de S. Paulo é herdeiro do Deus de Abraão. Jesus é “interpretado” à luz do Antigo Testamento, em que “Jesus foi constituído Messias pela graça de Deus”, sendo “divinizado”. “S. Paulo aceita e legitima a escravidão, desautoriza as mulheres, execra a homossexualidade e defende a submissão às autoridades constituídas, segundo a vontade de Deus” (na altura, o imperador era Nero, uma figura particularmente “recomendável”). O Deus de Paulo foi o que “vingou” nos primeiros concílios da Igreja, já que os seus escritos apareceram nos anos 50 e os Evangelhos a partir dos anos 70 da nossa era. O Deus de Jesus, que escandalizou e foi contra a cultura então vigente, foi ficando doutrinariamente na penumbra. “É necessário arrancar e transformar o Deus que foi indevidamente apropriado pelos hierarcas”, terminou.
*O que fica escrito são impressões desgarradas de cada conferência. Um atrevimento meu.