quarta-feira, julho 14, 2010

Anselmo Borges falou de ética à Ordem dos Engenheiros, em Coimbra

Integrado no ciclo de conferências “Para além do Colégio” (link), organizado pelo Colégio Regional de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros (da Região Centro), Anselmo Borges falou sobre o tema “Ética e Deontologia” , ontem à noite, a cerca de meia centena de engenheiros.
Deu início à sua comunicação, advertindo que iria usar indiferentemente os termos moral e ética, embora os mesmos sejam técnica e conceptualmente distintos (ética implica uma reflexão sobre comportamentos morais, que podem variar de acordo com os contextos culturais e civilizacionais). Começou por explicar por que se levanta a questão ética. Referiu que advém, em primeiro lugar, do facto de os humanos nascerem seres frágeis, totalmente dependentes, sempre em processo de desenvolvimento. Em segundo lugar, o seu percurso permite confrontar-se com experiências de liberdade e de tomadas de decisão, o que faz que se situe para além de mecanismos biológicos, capaz de ponderar frente às situações. Em terceiro lugar, realçou o papel do outro na formação da consciência, o outro como fazendo parte de nós. “A consciência nasce da existência do outro, é mediada pelo outro”, referiu.
Seguidamente, apresentou os critérios para que os nossos actos e acções sejam considerados éticos. O interesse, o medo, o prazer ou a salvaguarda da estima pessoal não poderão ser critérios norteadores de ética. O determinante é a dignidade humano. “Ajo assim, indo ao encontro do ditame da consciência, sendo os meus procedimentos válidos para todos”, acrescentou. Por isso, não podemos mentir ou roubar, exigindo aos outros que não mintam ou roubem, por exemplo. Cada acto deve ser questionado. Por exemplo, se eu posso mentir, então todos podem mentir. E que acontecerá se todos mentirem? O mesmo para o roubo, etc. Relembrou Kant quando o mesmo referiu que se deve agir de tal forma que a máxima de cada acção se possa tornar princípio de conduta universal.
“Como se fundamenta a ética?”, questionou. A religião não fundamenta a ética. Caso contrário, os ateus e agnósticos não poderiam agir eticamente. A ética é constituinte do ser humano. Para a fundamentar teria de se fundamentar a razão, o que não é possível. A ética é uma questão humana, autónoma, e não directamente religiosa, sendo deslocada a afirmação “ Se Deus não existir, tudo é permitido”.
Abordou a questão da política para referir que os estados e a consequente condução dos seus negócios são necessários para regular interesses contraditórios e egoísmos, impondo-se como uma questão de conservação dos indivíduos e das sociedades. Infelizmente, os homens não agem sempre de acordo com procedimentos éticos. Mas os governos e os políticos consubstanciam a acção na ordem jurídica através de leis e outros normativos, que nem sempre vão de encontro à dignidade humana e aos direitos da pessoa, não repondo e fazendo justiça. Por isso, a exigência de comportamentos éticos na política é cada vez mais necessária.
Debateu ainda as questões colocadas pelo desenvolvimento das tecnociências, suas implicações e limitações. “Vendo as coisas cientificamente, o que é a dignidade humana? Como justificar a igualdade?”, perguntou. São questões que não podem ser escamoteadas, integrando o domínio do pré-jurídico e do pré-político…e que a reflexão ética ajuda a balizar.
A sessão terminou com um debate animado, tendo algumas questões a ver com a conduta ética da actividade profissional dos engenheiros. “Já que estes profissionais projectam e são responsáveis pela construção de equipamentos para e ao serviços das pessoas, a sua formação académica deveria integrar uma cadeira de antropologia, em que as questões éticas aí seriam debatidas”, defendeu a rematar Anselmo Borges.