segunda-feira, fevereiro 01, 2010

À Lareira

Em tempo de frio, apetece ficar à lareira. Para aquecer e relaxar. Fazer uma fogueira é como cuidar de um filho. Exige preparação. Coisas miúdas e gestos mínimos. É colocar os cavacos na posição certa, é juntar umas pinhas, é pôr umas acendalhas, é acender um fósforo. Depois é assistir ao início de uma pequena epopeia, a criação da chama, que é necessário acompanhar, afagar e alimentar. E vê-la a crescer. Ouvi-la a crepitar. Protegê-la. Amansá-la. Mantê-la cada vez mais viva. Depois, sem darmos por isso, torna-se uma companheira inseparável. De uma tarde, de uma noite. Com a qual falamos e partimos em viagem.
Bem diferente do lume de antigamente, que funcionava essencialmente como combustível para confeccionar as refeições, secar roupa molhada e defumar presuntos, moiras, chouriças e salpicões. Integrava a cozinha, onde também se comia. Mas não dava para ficar aí “pasmado, a cismar”. Quem podia trabalhar mais ou menos aconchegado, em casa, fazia-o junto a uma braseira (que não era para todos). Havia sempre coisas a fazer lá fora.
Onde se faziam os deveres da escola? A um canto da casa, ao frio. Ou na semi-escuridão da cozinha, cheia de fumo. A maioria das casas só oferecia um pequeno espaço vital, de sobrevivência, para os seus elementos. Mesmo com chuva ou frio, as crianças ansiavam pela liberdade, que as eiras ou alpendres lhes ofereciam. Eram as aulas práticas do estudo do meio, onde se aprendia a realidade da lei do mais forte e se exercitava a necessidade de alianças, em consonância com as regras do comportamento social símio.
A lareira de hoje desencadeia um ritual e enquadra uma estética. Onde se vive devagar, se aproveita cada momento, em contraponto com constrangimentos e medos e com a canga da nossa cultura em que o apelo ao passado e a projecção do futuro, como verdadeiros super-eus, alienam o presente, a contemplação, a plenitude, o gozo do instante.
Nas noites mais longas de Inverno, cada lenho aceso pode ser uma sarça ardente, a demanda da Palavra balbuciada pelo Silêncio, aconchego de místicos, inspiradora de poetas, músicos, pintores e outros artistas. Aquela que no recato redime e liberta.