terça-feira, janeiro 22, 2008

Rancho Folclórico e Etnográfico de Cárquere*

O folclore é verdade e só verdade./É cultura. É cultura do passado./É cultura de um tempo respeitado./Que marca bem a nossa identidade.
Estes versos, retirados do livro de sonetos “Resende e o Douro”, da autoria do Dr. Albino Brito de Matos, fundador e presidente do rancho, constituem o “imperativo categórico” da determinação em continuar a preservar e a divulgar
os usos, os costumes e as tradições da freguesia e do concelho.

Introdução/Nota pessoal
Após marcação telefónica do encontro, dirigi-me para a sua casa, situada no lugar da Casa Nova/Tulhas, onde me recebeu, pelas 10h, no seu escritório. Nunca tinha cumprimentado ou tido qualquer contacto anterior com o Dr. Brito de Matos. Conhecia-o apenas de vista. Depois de referir ao que vinha, não se alargou em muitos pormenores nem se deteve em possíveis peripécias sobre a fundação do rancho, preferindo habilitar-me com a documentação sintética distribuída aquando das actuações do mesmo. A conversa não fluiu de modo a possibilitar a recolha de possíveis factos curiosos ocorridos em deslocações ou noutras situações. Quando, não sei a que propósito, lhe falei dos seus livros de poesia, uma expressão de satisfação percorreu-lhe o rosto. Levantou-se, foi buscar um exemplar do livro “Resende e o Douro”, que posteriormente me ofereceu com uma simpática dedicatória, sentou-se ao meu lado, lendo-me vários sonetos, começando por um dedicado a Paus. Deixou transparecer alguma emoção na leitura dos vários poemas e uma ligação muito grande a tudo o que respeita ao concelho. Não é em vão que se é presidente da Câmara durante 25 anos. Nunca falou sobre política. Embora afável, mostrou-se um homem reservado, experimentado e seguro na gestão daquilo que pretende dizer.

Pesquisa e recolha etnográficas
Embora fundado em 10 de Março de 1981, o rancho de Cárquere só em 1983 iniciou um trabalho profundo de recolhas etnográficas, sob a orientação da Federação de Folclore Português, na qual está filiado desde 10 de Novembro de 1989. Tal como muitos outros, também é herdeiro do movimento surgido após o 25 de Abril em defesa da chamada cultura popular, muitas vezes mascarada de determinados objectivos políticos. Após esta deriva, muitos destes grupos, que pouco tinham a ver com a preservação e divulgação das tradições genuinamente populares, foram posteriormente direccionados e enquadrados para este objectivo. Foi o que aconteceu em Cárquere com a acção do Dr. Brito de Matos e da sua afilhada Prof. Ana da Conceição Correia.
Através de um trabalho metódico, inteiraram-se dos levantamentos já efectuados sobre danças e cantares, usos e costumes do concelho e da região e contactaram com as pessoas mais antigas com o objectivo de conseguirem captar o quotidiano dos seus antepassados que viveram nos finais do século XIX e princípios do século XX. Foi-lhes pedido que reproduzissem danças e cantares, que emprestassem ou cedessem trajes e fotografias antigas e até artefactos. Este trabalho também não esqueceu lendas, contos populares, rezas e aforismos como instrumento de enquadramento explicativo das mundividências de então. Conseguiu-se assim um retrato vivo e fiel da vida daquela época que importava preservar, salvaguardar e divulgar através do rancho.

Danças mais representativas
O rancho folclórico e etnográfico de Cárquere tem um repertório com uma duração de hora e meia, embora o tempo normal de actuação de cada grupo em festivais seja de 15 minutos. Nas suas deslocações procura transmitir as danças da região mais distintivas, consideradas o seu bilhete de identidade artístico, que caracterizamos resumidamente a seguir.
-Chula Rabela. É considerada a dança “ex-libris” do Douro e a única na região que se dançava em fila. Era acompanhada pela “rabeca chuleira” (semelhante ao violino) e cantada ao desafio por um homem e uma mulher. Compõe-se de três partes essenciais que se alternam diversas vezes, tornando esta dança muito demorada e cansativa, pelo que só os dançadores mais exímios se atreviam a dançá-la.

-Ó rapaz aperta a faixa. Dança que se usava antigamente nas festas e romarias e que se dançava também nas eiras e terreiros, depois dos trabalhos agrícolas.
-Sete estrelas.
Dança de roda que se usava principalmente nas festas e romarias.
-Se eu fosse ladrão roubava. Dança de roda, na qual os rapazes tentam roubar as moças, rivalizando entre si para melhor ganharem a atenção das raparigas. Mas, por vezes, a sua ousadia causava alguns problemas…
-Malhão. Dança com uma marcação muito rápida, reflectindo a vida rude das gentes da encosta da serra do Montemuro.

Trajes e artesanato
Os trajes são uma amostra rigorosa da maneira de vestir, abarcando os trajes de trabalho, pobres e simples, relacionados com os trabalhos do campo e com alguns artesãos, e os trajes de festa e de romaria, mais coloridos e vistosos, como os dos noivos e o do lavrador abastado. Na primeira categoria, são apresentados figurantes representando trabalhadores rurais, o podador, o vindimador do Douro, o ceifeiro, o moleiro, o “pegoreiro” (pastor), a tecedeira e a cesteira.
Nas suas actuações, exibe alguns utensílios de trabalho usados no tempo dos nossos avós e peças do nosso artesanato no âmbito da cestaria, tecelagem, chapelaria de palha e tamancaria.
Refira-se que o rancho conseguiu reunir um conjunto de peças diversificadas e únicas, há muito tempo sem qualquer uso no dia a dia, como ferramentas, utensílios e objectos vários, que permitem dar a conhecer e caracterizar modos de vida de outros tempos.

Actividades desenvolvidas
Todo o trabalho tem sido orientado no sentido de dar continuidade às pesquisas e recolhas etnográficas na freguesia de Cárquere, concelho e região, com vista à sua preservação, à sua salvaguarda e difusão, permitindo desta forma levar a cultura e o nome de Resende a todo o país e ao estrangeiro.
A actividade de maior relevo tem sido a realização anual, no 3.º domingo de Agosto, de um festival de folclore, quase sempre internacional, na sequência de mecanismos de permuta, o que revela um grande esforço e dinamismo, na medida em que implica a participação deste rancho em festivais congéneres. No presente ano, realizou o XX Festival, que teve a participação de 6 ranchos, tendo constituído um assinalável sucesso pela qualidade e pela afluência de público.
Merece destaque especial a sua participação nos seguintes eventos: Festival Mundial de Folclore, em França, XVII Festival de Folclore do Algarve, transmitido em directo pela televisão para todo o mundo, e vários festivais na ilha da Sardenha, Itália. Foi o representante do folclore duriense num programa da RTL 4, gravado na Quinta das Carvalhas. Participou na produção luso-brasileira “Rio do Ouro”, integrando parte da respectiva banda sonora uma das suas cantigas. E tomou parte em diversos programas da Rádio Renascença e da Antena 1, onde teve oportunidade de dar a conhecer usos e costumes do concelho e exibir directamente parte do seu repertório.
Pelos excelentes serviços prestados em favor da preservação e divulgação do património cultural e das tradições do concelho de Resende, foi-lhe atribuída, em 2001, a Medalha Municipal de Mérito, grau ouro. Pelo mesmo motivo, também os Bombeiros Voluntários de Resende, por ocasião das comemorações do seu cinquentenário, lhe atribuíram a respectiva Medalha e o Diploma de Honra.

Perguntas e Respostas

Por quantos elementos é constituído o rancho?
O rancho consegue apresentar em palco cerca de cinquenta pessoas. Algumas permanecem desde o início. Embora ocorram desistências por motivos de ordem pessoal, profissional, familiar e outros, tem sido relativamente fácil até à presente data preencher as vagas que vão surgindo.

Além do folclore e etnografia, desenvolve outras actividades?
Sim, principalmente no âmbito da formação musical dos jovens, embora não esteja formalmente constituída uma escola de música. Tem desenvolvido também iniciativas de carácter lúdico-recreativo, como convívios, festas e jogos tradicionais.
Refira-se que o rancho constitui a secção cultural do Grupo Cultural e Desportivo de Santa Maria de Cárquere, pelo que as actividades desportivas, como o futebol, são levadas a efeito por este.

Onde é a sede do rancho?
Os ensaios têm decorrido na da Junta de Freguesia, onde dispõe de uma sala para o efeito. Contudo, já foi iniciada a construção de sede própria, que tem passado por vicissitudes várias, e em cuja garagem se encontram já guardados todos os objectos de carácter etnográfico recolhidos na região.

Contacto:

Rancho Folclórico e Etnográfico de Santa Maria de Cárquere

4660-061 Cárquere

Telefone: 254 877 115 E-mail: carquere@hotmail.com
Site:http://ranchocarquere.com.sapo.pt
*Apontamento escrito para o Jornal de Resende (Setembro de 2007)